Um Poder sem poder
Publicado em 24.02.2008 no Jornal do Commercio
Enfraquecido por sucessivas crises e pela burocracia na elaboração de leis, Parlamento sofre com o desgaste da sua imagem
Sérgio Montenegro Filho
smontenegro@jc.com.br
Criado para funcionar como a voz oficial da sociedade, o Poder Legislativo vem, ao longo dos últimos anos, perdendo sua força e amargando uma séria crise de confiança exatamente junto a quem deveria representar. Abalado por sucessivos escândalos, legislando cada vez menos – e sempre à base de acordos políticos –, e com a credibilidade em baixa, o Congresso Nacional é o maior exemplo do enfraquecimento do Poder, que é composto, ainda, pelas assembléias estaduais e as câmaras municipais. O Legislativo brasileiro cumpre o que previu, no final do século passado, o filósofo político italiano Norberto Bobbio, ao afirmar que o mundo estava vivendo “o ocaso do Parlamento”.
Especialistas, ex-parlamentares e até alguns deputados e senadores na ativa concordam que é hora de promover uma reformulação profunda na instituição como saída para restituir-lhe força suficiente para se livrar das interferências do Executivo e do Judiciário. Por mais que tentem, os parlamentares não conseguem votar leis de forma ágil. Como conseqüência, acusam o governo federal de exceder-se na edição de medidas provisórias, instrumento criado pela Emenda Constitucional 32, que concede ao Executivo o poder de promulgar dispositivos legais de imediato, deixando para depois a chancela do Legislativo. E enquanto não são votadas, as MPs trancam a pauta do Congresso evitando que qualquer outra matéria seja apreciada.
As queixas dos parlamentares também recaem, vez por outra, sobre o Judiciário, que tem utilizado sua prerrogativa de promulgar resoluções oficiais, antecipando-se a medidas que deixam de ser votadas no Congresso por pura falta de agilidade. “O primeiro requisito para um Parlamento é funcionar. Em qualquer país decente se vota uma lei em oito dias. Aqui, leva meses. É preciso encontrar uma maneira de analisar os projetos sem passar por tantas comissões nas duas casas”, analisa o advogado José Paulo Cavalcanti, estudioso do assunto.
Segundo ele, somente uma reforma política eficaz faria o Congresso funcionar, porque no modelo atual, a votação de leis tem se tornado impraticável. “Mas os parlamentares não querem a reforma. Querem sempre algo que favoreça a reeleição deles. É uma questão ética, e não uma questão política”, sentencia. “Desse jeito, não tem porque estarem se queixando das medidas provisórias. Eles não legislam, e sem elas, o país pára”, reforça.
CARGOS E FAVORES
Fundada com o objetivo de fiscalizar e propor medidas saneadoras para os órgãos governamentais, a ONG Transparência Brasil faz duras críticas à atuação do Congresso Nacional, assembléias estaduais e câmaras de vereadores. De acordo com o coordenador da entidade, Cláudio Weber Abramo, o Legislativo brasileiro está desfigurado, se transformou num “balcão de negócios” e, mesmo que alguns dos seus integrantes não concordem, não conseguem reverter a situação.
“O Legislativo está totalmente coptado. Em troca de cargos e favores, presta os serviços que o Executivo quer. É um Poder sem força própria porque se submete a isso”, diz Abramo, responsabilizando a própria Constituição Federal pela situação. “A Carta garante à Presidência da República um poder excessivo de distribuir cargos e verbas, transformando o Legislativo numa usina de corrupção. Só se muda isso mexendo no arcabouço institucional, com uma reforma constitucional, a revisão dos códigos de processo civil e penal e a criação de mecanismos externos de controle”, acrescenta.
Análise semelhante é feita por Marcos Verlaine, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). O organismo foi criado em 1983 para acompanhar o desempenho dos deputados e senadores, e divulga avaliações periódicas dos “melhores e piores” parlamentares. “Enquanto o Congresso não resolver seus próprios problemas, não legislar e ficar barganhando, vai continuar sendo atropelado pelo Executivo e Judiciário”, afirma.
Segundo Verlaine, a reforma política que começou a ser discutida no ano passado tocava em aspectos importantes para reformular o Poder, como a mudança nas eleições proporcionais, mas foi implodida por parlamentares que temiam prejudicar seus próprios interesses. “É um sistema que já dura mais de 60 anos e ninguém quer mudar. A maioria dos parlamentares passa ao largo das grandes questões nacionais. Eleitos sem uma plataforma, vão legislar de acordo com seus interesses, sem compromissos partidários ou ideológicos”, completa.
domingo, 24 de fevereiro de 2008
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