domingo, 12 de outubro de 2008

Poesia

O Meu Guri
Chico Buarque

Quando, seu moço
Nasceu meu rebento
Não era o momento
Dele rebentar

Já foi nascendo
Com cara de fome
E eu não tinha nem nome
Prá lhe dar

Como fui levando
Não sei lhe explicar
Fui assim levando
Ele a me levar
E na sua meninice
Ele um dia me disse
Que chegava lá

Olha aí! Olha aí!Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí!
Olha aí!É o meu guri e ele chega!
Chega suado
E veloz do batente
Traz sempre um presente
Prá me encabular
Tanta corrente de ouro
Seu moço!
Que haja pescoço
Prá enfiar

Me trouxe uma bolsa
Já com tudo dentro
Chave, caderneta
Terço e patuá
Um lenço e uma penca
De documentos
Prá finalmente
Eu me identificar

Olha aí!Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!
Chega no morro
Com carregamento
Pulseira, cimento
Relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar
Cá no alto
Essa onda de assaltos
Tá um horror
Eu consolo ele

Ele me consola
Boto ele no colo
Prá ele me ninar
De repente acordo
Olho pro lado
E o danado já foi trabalhar

Olha aí!Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!

Chega estampado
Manchete, retrato
Com venda nos olhos
Legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente
Seu moço!
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato
Acho que tá rindo
Acho que tá lindo
De papo pro ar
Desde o começo eu não disse
Seu moço!
Ele disse que chegava lá
Olha aí! Olha aí!
Olha aí!Ai o meu guri, olha aí
Olha aí! É o meu guri!...

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