Filho de um agricultor semi-analfabeto e uma dona de casa, analfabeta, que foi doceira durante um tempo, Josemar da Silva Martins, cujo apelido Pinzoh foi batizado pelos colegas de sala depois que errou numa prova de História o nome do navegador Vicente Yãnez Pinzón, tem uma trajetória de vida que além de render um bom livro pode-se fazer um excelente roteiro de cinema. Nascido no sítio São João, povoado de São Bento, município de Curaçá-BA, Pinzoh estudou a vida toda em escola pública, foi servente de pedreiro, frentista, ator de teatro, aventurou-se na poesia, foi serigrafista durante anos e vendedor ambulante das camisas que pintava. Nesta mesma caminhada, entrou em Pedagogia na UNEB, fez especialização em Gestão de Sistemas Educacionais na PUC-MG, em seguida fez mestrado em Educação na UQAC, Université du Québec à Chicoutimi e antes mesmo de defender sua tese ingressou no doutorado na FACED/UFBA concluído em 2006. É professor da UNEB-Juazeiro desde 1994 e militante político desde que começou a participar de movimentos estudantis e levantar a bandeira da luta pela liberdade de expressão, igualdade e fraternidade.
Vendo esse histórico com um olhar pós-modernista poderíamos dizer que Pinzoh é um exemplo de homem que mesmo estando na roça e olhando para o sequeiro nordestino de piso rachado como algo além da natureza, visualizou também possibilidades de transformações. Não desistiu, não morreu e não deu pra ladrão. Hoje é um estudioso e questionador da forma como a mídia expõe a Educação. Enfático e agressivo (no bom sentido, claro) quando o assunto é política, não tive como deixar de abordar boa parte deste tema na entrevista com o professor Pinzoh onde ele coloca suas defesas e críticas, em parte sustentadas nas análises acadêmicas em outras pela sua prática do dia-a-dia. De Renan aos Coelhos em Petrolina segue a entrevista na integra.
Blog Teresa Leonel- Existe uma imagem propagada de que a educação é o único caminho pelo qual o Brasil pode mudar, ou melhor, desenvolver. Isso é genérico? Qual a sua avaliação?
Josemar da Silva Martin - Pinzoh - Eu fico com a opinião de Sérgio Buaque de Hollanda constante no livro Raízes do Brasil, do início do século XX, onde ele critica – já lá – os “pedagogos da prosperidade”, que se apegam a soluções onde se abrigam verdades parciais e as transformam em requisito obrigatório e único de todo o progresso. O problema é que, quando a gente pronuncia “educação”, em geral está dizendo “escola”. Certamente a educação é a chave para irmos melhor em muitos assuntos, mas desde que a encaremos como algo mais amplo. Pensemos bem: mirando o tamanho do paradoxo da sociedade que vivemos, dá para falar que “escola” resolve alguma coisa isoladamente? Os meninos de classe média que queimam índio em ponto de ônibus, achando que é mendigo (como se isso justificasse), ou espancam empregada doméstica achando que é prostituta (como se isso justificasse), ou matam o pai ou a mãe etc., por acaso eles não têm educação (escolar)? Então que “outra” educação lhes falta? Por acaso as outras instituições sociais, os profissionais liberais, os comunicadores, os políticos, estão preocupadas em educar? Será que não vivemos numa sociedade em que a própria família esqueceu de educar? Será que já nos tornamos reféns de nossa própria ilusão de liberdade – que no fim das contas não passa de liberalismo de mercado? Além disso, dizer que a educação resolve tudo, não é uma forma de desviar a atenção para as reformas de base? Nós estamos de acordo com uma Reforma Agrária ampla! Nós estamos a favor da taxação das grandes riquezas? Nós de fato queremos dividir riqueza? Ou nós apenas estamos satisfeitos com o dinheiro que ganhamos e com as prisões domicialiares que com ele podemos construir para nelas morar? Todo mundo ganha dinheiro e gera problema; depois a gente diz que é a educação que tem que resolver esses problemas. Esse é o problema! A educação continua sendo vista de modo restrito; é grande nos discursos mas não passa de pano de chão nas práticas sociais! Há até preconceitos contra ser professor. Exemplos não faltam!
Teresa Leonel- Como professor e vivenciando o debate Acadêmico sobre as diversas formas do exercício da nossa democracia, na sua opinião o PT (Partido dos Trabalhadores) mesmo depois do desgastes em relação aos escândalos sucessivos, ainda é a melhor opção para consolidar esta democracia?
Pinzoh - Eu não sei se o PT é ainda a melhor opção. O que eu sei é que a sigla PT virou bode expiatório. Quando a gente vai falar de corrupção a gente diz “corrupção do PT”. Eu sou sabedor das mutretas do Renan desde antes dele apoiar Collor (como político ele esteve sempre do lado do poder). Mas quando a mídia toca nisso (incluindo as “meninas do Jô” e o Jabor) parece estar vinculando a sua corrupção ao governo do PT. É como se a gente desconhecesse o elevado grau de corrupção de nossas elites. É como se um Coelho, por exemplo, nunca tivesse praticado coisa similar aos casos que agora Renan permite expor. É como se a gente esquecesse dos Anões do Orçamento e de outros tantos escândalos.
Eu ando muito decepcionado com o PT e espero sinceramente que a gente aprenda a fazer política de um outro jeito, que a gente disse que seria possível. Mas não aceito que um Arthur Virgílio venha pousar de paladino da moralidade; que um ACM Neto vire príncipe da ética – aliás todos nós sabemos que ACM e sua família também enricou com procedimentos similares aos de Renan, e de Jader Barbalho, e de Hildebrando Pascoal, e de João Alves etc. etc. etc., mas parece que ignoramos isso. Pelo amor de Deus! Aliás, o principal problema em relação ao Renan é que ele disse: “se é pra investigar, então vamos fazer uma investigação ampla”. Aí todo mundo gelou! Quem quer isso? E sabem porque o ACMzinho não está todo dia na mídia? Não será por que também apareceu nos registros da Operação Navalha? Mas o foco numa única pessoa ajuda a esquecer outras, não é mesmo?.
Teresa Leonel – Por que os petistas aos serem abordados sobre os escândalos políticos dentro da própria base do partido ficam sempre comparando e justificando os escândalos com os governos anteriores?
Pinzoh - Talvez seja para dizer ”atire a primeira pedra!”. Talvez seja para lembrar de nossa cordialidade (nos termos também de Sérgio Buarque de Hollanda) sempre flertou com o poder público para permitir o proveito próprio, o nepotismo, o fisiologismo, o apadrinhamento. Porque o curioso é que todo mundo faz isso. Dúvido que não haja caixa 2 nas campanhas em Juazeiro e Petrolina. Duvido que não haja os mesmos tipos de negociatas. DU-VI-DO! E quero é prova! Quero saber, por exemplo como é que o PFL custeava a compra de votos nos sertões, como caçamba de areia, como filtro caseiro, com óculos e dentadura? Quero saber o que foi a “Indústria da Seca” que vampirizou a SUDENE a ponto dela ter que ser desmontada? Quem fez isso? Foi o PT? Você nunca deu alguma gorjeta a um guarda ou policial rodoviário? Eu já! Numa situação onde era impossível não dar. E nem era porque eu estava ilegal, era porque a força não estava do meu lado. Presencio isso o tempo todo em viagens nas estradas de Pernanbuco, da Bahia, de Sergipe, de Alagoas... Por que a gente não faz o que Renan sugeriu? Vamos abrir a conta de nossas consciências, a gaveta de nossa ética com a coisa pública?
Teresa Leonel – Não foram os petistas que sempre defederam as badeiras da moralidade, da ética e da não corrupção?
Pinzoh - Não foi só o PT que fez isso. O PT tem errado e deve pagar pelos seus erros, principalmente pelos que continua a cometer. Mas é bom lembrarmos que desde que eu me entendo por gente; desde que leio... que vejo a elite empostar a voz para falar em moralidade, para defender “a moral e os bons costumes”. Ou estou errado? Você nunca viu/ouviu isso? Essa é a mesma elite que no âmbito oficial aparece empecável, com inabalável retidão de caráter, e é também a mesma elite que, fora dos holofotes da aparição pública, é promíscua, adúltera, incestuosa, preconceituosa, inescrupulosa e corrupta. Toda a nossa “nobreza” foi promíscua, especialmente com a coisa pública, e, no entanto, sustentou sempre um discurso moralizante. Não esqueçamos que Collor, por exemplo, foi eleito com o discurso de que “caçaria” os marajás, quando ele próprio era um marajá, que era sustentado pelos marajás e se portava como um marajá.
Teresa Leonel – E falando em ética, o senhor defendeu em um dos seus artigos sobre Ética e Comunicação que a palavra “ética” ainda é muito confundida e vulgarizada para nomear “código de conduta” de determinados grupos humanos. No caso específico dos políticos e do Partido dosTrabalhadores o que se pode e deve ser aplicado?
Pinzoh - Eu não imaginei que esta entrevista fosse sobre o PT. Mas, vamos lá! O que eu disse no texto, que está em meu Blog, (http://blogdopinzoh.blogspot.com/2007/03/tica-e-comunicao.html), foi que ética ainda é confundida com ética corporativa, por exemplo, quando falamos em “ética médica”, “ética jurídica” ou “ética jornalística”. Na verdade, em geral esses exemplos se tratam de códigos deontológicos, de códigos corporativos de conduta. Prefiro pensar a ética para além disso, fazendo froteira com a esfera pública, que excede o âmbito corporativo. Agora, se você quer discutir a ética dos partitidos políticos (incluindo o PT), podemos até discutir, desde que outras siglas possam compor seu repertório de referências. Pode ser?
Teresa Leonel - O senhor contestou a análise sobre reforma política feita pelo publicitário e marketeiro Zé Nivaldo postada neste blog (04/07) dizendo que o mesmo desdenha de sua importânica. Na sua opinão de que forma as campanhas políticas deveriam ser realizadas ou formatadas?
Pinzoh - Sou amplamente a favor de limitar o uso de propagandas (como aliás já se fez na última eleição, o que, ao meu ver, melhorou muito o perfil das campanhas). Seria uma forma de, por um lado, evitar que se fabricasse um perfil meramente fictício, cuja finalidade é meramente a enganação dos eleitores. Por outro lado, esse trabalho é feito pelo marketing político (um dos principais meios de gestão dos caixas 2). Então, limitando isso estaríamos limitando também uma parte das falcatruas. Sou a favor do financiamento público das campanhas, e do estabelecimento de um sistema rigoroso de análise das contas de campanha. Mas desconfio que uma boa reforma não saia a não ser que houvesse uma constituinte de “não políticos”, apenas para legislar sobre questões onde os políticos são extremamente corporativos e advogam em causa própria.
Teresa Leonel - Agora virando a mesa, qual a sua opinião sobre o papel da mídia em relação a divulgação dos escândalos políticos e apuração dos mesmos para manter a sociedade bem informada? A sociedade está sendo bem informada?
Pinzoh - Eu acho que:1) grande parte da mídia não tem isenção porque está na mão de uma elite comprometida até o pescoço com esses temas e essas mesmas tramoias (aliás, quem da imprensa apoiaria uma CPI da Comunicação – que desvelasse os modos como se estabeleceram e ainda se estebelecem as maiores concessões?) 2) liberdade de imprensa, na maioria dos casos, só existe para quem é dono da empresa de notícias; 3) mesmo assim uma grande parte dos jornalistas “se acha”, ou seja, pensa que “é livre” e que mais ninguém entende de nada. Muitos dizem um monte de aberrações como se fossem a verdade e ponto; 4) aquilo que a gente tem chamado de “a sociedade da informação” tem se traduzido na sociedade da desinformação; do blefe, do “copy and paste”... Nesse sentido não posso achar que a sociedade está bem informada. Ela está confusa. As novas gerações não conseguem formular uma idéia do mundo, além daquilo que vêm nos programas bobos das rádios, das TVs, das revistas de fococa ou nas vitrines e nas relações meramente consumistas e capitalísticas. Analise o conteúdo dos veículos de comunicação de Juazeiro e Petrolina (com poucas exceções) e você mesma pode responder a essa pergunta. Ainda bem que tem gente que consegue viver e se informar para além dessa fronteira!
Teresa Leonel - A mídia também está sendo passada a limpo. O senhor acredita que a nossa forma de noticiar, hoje, tem mais a ver com o espetáculo do que propriamente com a informação?
Pinzoh - Não sei se a mídia está passando a limpo. Só sei é que temos uma mídia de péssima qualidade (com exceções), onde tudo virou espetáculo. A morte, o sexo, a intimidade, a pobreza, a corrupção. Tudo é espetáculo. Tudo é lançado para o jogo das audiências. Aliás, você que vive dentro dos meios de comunicação, pode falar melhor de como se estabelecem critérios para os programas, para as pautas; de como o índice de audiência virou uma paranóia e justifica programações extremamente idiotas. Há duas obras que acho boas para nos falar do que ocorre agora: “A sociedade do espetáculo” de Guy Debord; e “Simulacros e Simulação” (e outros escritos), de Jean Baudrillard. A mídia hoje é isso, com raríssimas exceções.
Teresa Leonel - Gostaria de fazer algum comentário específico?
Pinzoh - Queria acrescentar que eu sou filiado ao PT. Não me envergonho disso. Fui um dos fundadores do partido em Curaçá, lá pelos idos de 1986. Fizemos várias campanhas sem um tostão furado, recolhendo contribuições de centavos, fazendo cartazes em papel madeira e colando com cola caseira feita com soda; fazendo bottons e pintando camisetas com serigrafia caseira e vendendo tudo isso para fazer outros dinheiros para repetir todo o processo. Nunca ganhei um centavo em campanhas, pelo contrário, sempre botei dinheiro, sem pedir nada em troca. Nunca vivi de cargos públicos. Sempre fui professor concursado. Ultimamente tenho também feito palestras, seminários, assessorias para algumas prefeituras – inclusive em Curaçá, onde sou um dos autores da Proposta Pedagógica para as escolas municipais (atualmente não utilizada). E me orgulho muito disso, de nunca ter precisado baixar as calças para algum político. Essa autonomia muitos jornalistas não têm, porque seus patrões, com suas relações duvidosas, lhes tolhe a liberdade! E isso eu não invejo!
Quanto ao PT, este aprendeu a fazer o jogo que as velhas elites sempre jogaram – e isso me entristece. Nada justifica. Tenho sido um crítico dessas novas práticas do PT, principalmente do modo como atualmente as tendências e o critério de BU (Boletim de Urna) têm sido usados para praticar o patrimonialismo e privatizar a esfera pública em seu poder. Por um lado, as práticas pregressas dos outros partidos não justificam essas posturas do PT, tampouco algum partido pode dizer que não faz ou fez isso. Por isso, ver a elite pousando de defensora da ética, “da moral e dos bons costumes”, é algo que me deixa profundamente irado.
Por fim, obrigado pela oportunidade da entrevista e espero que você me permita postá-la também em meu blog.
quinta-feira, 12 de julho de 2007
Entrevista professor Pinzoh " O PT tem errado e tem que pagar pelos seus erros..."
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Ótima entrevista e entrevistado. Fico pensando como pessoas com o mesmo início tem destinos tão diferentes.Deve haver uma mosca azul da curiosisdade intelectual e outra de liderança que desta curiosidade prescinde. Seria ótimo se convergessem num só indivíduo.
ResponderExcluirTeresa...
ResponderExcluirEu acho interessante como vocês da imprensa constóem as chamadas, as manchetes, os títulos das matérias, e esse enunciado sumário que convoca à leitura. Achei que curioso que, no caso da minha entrevista, o que ficou foi "O PT tem errado e tem que pagar pelos seus erros...". Embora eu tenha dito isso textualmente, no contexto geral da entrevista eu também disse que não só o PT tem errado e não só ele tem que pagar pelos seus erros... Isso dá uma boa análise de construção do discurso midiático.
Tereza, achei que algumas perguntas tinham continuidade, outras não e o título da entrevista chega a ser incoerente com o conteúdo, quando novamente a sigla PT é colocada meio que para chamar a atenção do leitor. caso fosse para colocar uma fala do entrevistado, havia declarações mais significativas para intitular a matéria como " Eu não sei se o PT é ainda a melhor opção. O que eu sei é que a sigla PT virou bode expiatório". Quando o entrevistado generaliza e diz que "há raras exceções" de bons trabalhadores na imprensa, senti falta de ua informação complementar acerca de quais são os bons exemplos de jornalistas ou jornalismo.
ResponderExcluircolocações anteriores no seguinte sentido: dá pra fazer uma boa análise do discurso midiático a partir da disposição da entrevista, principalmente pela chamada. Agora, concordo também que a mea-culpa de pinzoh dá uma boa análise de seu nível (?) de apatia/frustração.
ResponderExcluirolha, eu não entendo muito dessa coisa chamada jornalismo (sou apenas um pobre vate), mas sempre soube que o (a) jornalista tem a prerrogativa de editar a matéria/reportagem/entrevista da forma que melhor lhe convir. é parte até da pseudo-liberdade de imprensa, não é isto? a opção da jornalista (que eu nunca tinha ouvido falar, mas me trouxe à lembrança o escritor ignácio de loyola brandão, muito mais pelo nome do que pela escrita), dentro de minha concepção (coisa inapreensível) de jornalismo (ou seja, algo que prima pela parcialidade, afinal, a totalidade é uma concepção [inapreensível]), é aceitável. significa, em última instância, o desabafo de um ex-militante do pt diante de tanta transgressão. sinceramente, até mesmo pela história de vida de pinzoh apresentada na cabeça (é isto mesmo?) do texto, eu não trocaria a chamada não...
é por aí... à procura de corda...
Caros anônimo e Rafael,
ResponderExcluirRespondo a ambos para aproveitar... quem edita a matéria é sempre o editor. O repórter/jornalista a faz visando que o texto fique na íntegra.O que nem sempre acontece.A história de Pinzoh, como disse antes, é digna de um filme. Em relação a citar referências de jornalistas seria até falta de ética da minha parte. O balanço vai bater naquele que não saiu da frente. Posso dizer, e aí vejo isso de perto toda 3a feira,no Observatório da Imprensa, às 22h20 na TVE, que Alberto Dines tem tentado fazer seu papel na imprensa de forma exemplar. Acho que é por aí..